20 de nov. de 2009

Magia: Ritual, Poder e Propósito - Parte 2




Dando prosseguimento ao livro de E. W. Butler, vejamos o 2º capítulo:


Capítulo 2 – A Personalidade humana


O problema da personalidade humana é um dos que permaneceu sem solução por muitos séculos no mundo ocidental. O pensamento oriental desenvolveu uma classificação da personalidade que esclarece muita coisa sobre os processos mentais do homem, mas a teologia dogmática do ocidente, até a época atual, vem limitando um desenvolvimento similar do pensamento ocidental sobre o assunto.

Entretanto, nestes últimos anos, muitos fatores sobre os quais a religião dogmática não tem controle vêm conspirando para desenvolver uma visão mais verdadeira da real natureza da personalidade do que até aqui tem sido tem  sido mostrado. A velha psicologia acadêmica lidava somente com a mente vígil, e seus métodos de pesquisa baseavam-se principalmente 
na introspecção da mente sobre si mesma. Mas muitos fatores que começaram a emergir apontaram para a possibilidade de a mente do homem ser maior do que se imaginava. O fenômeno observado do mesmerismo e do hipnotismo, a telepatia e as maravilhas psíquicas 
dos espiritualistas começaram a mostrar a necessidade de uma nova psicologia, fundada então sobre base mais ampla do que sua antecessora acadêmica. 



F. W. H. Myers, em seu importante livro A  Personalidade Humana, esboçou a teoria geral do que ele denominou “mente subliminar”. A idéia geral (que ainda permanece válida) era a de que o pensamento consciente fosse parte da mente que estava acima de um certo nível de consciência conhecido como limiar ou entrada. Esse nível supralimiar ou acima do patamar de consciência não é, entretanto, o único nível de consciência. Abaixo dele existem outras camadas de consciência, e essas camadas são denominadas níveis subliminares ou, geralmente, o “subconsciente”. 

Assim, a mente humana, de acordo com essa hipótese, é dual, tendo um nível consciente ou vígil e um subconsciente, que permanece abaixo do limiar. Myers mostrou que todos os fenômenos que ele estava considerando podiam ser explicados com aceitação de que,  sob certas condições e por meio de certos canais, o subconsciente podia entrar em erupção e emergir para a vida vígil. Ele mostrou também que esse nível subconsciente de pensamento 
era muito maior em extensão e potencialidade em relação ao nível consciente da personalidade. 

O símile usualmente empregado é o do iceberg, cuja maior parcela esta oculta pelo oceano. Tal símile é excelente, uma vez que o comportamento dessas montanhas de gelo muito se aproxima do comportamento da própria mente. Acontece freqüentemente de o iceberg, embora o vento possa estar soprando sobre uma de suas extremidades, se mover na direção contrária, uma vez que seu gigantesco corpo submerso sofre muito mais os efeitos das correntes marítimas bem abaixo da superfície. Assim se dá com a mente humana. 

Sobre essa nova concepção, uma nova psicologia começou a ser construída, e dois homens sobressaíram como pioneiros. O primeiro foi Sigmund Freud, e o segundo, seu aluno C. G. Jung. A psicologia freudiana é familiar para o público em geral devido sua insistência sobre o elemento sexual na doença psicológica. Jung discordou  dessa versão radical e, gradativamente, criou o que é conhecido como a “Escola de Zurique”. Do ponto de vista do mago, não resta a menor dúvida de que Jung está mais próximo dos fatos do que os freudianos, e são certos aspectos do seu sistema que destacarei resumidamente. 

Está entendido que, por trás da vida manifestada de animais e homens, existe uma força impulsionadora que tem recebido muitos nomes. Os psicólogos se referem a ela como libido ou, algumas vezes, como Id. Esse impulso básico se manifesta naquilo que é chamado instinto fundamental e, na classificação comum, ele costuma ser divido em três, a saber: instinto de auto-preservação ou vontade de viver; instinto sexual ou vontade de criar; e instinto de clã ou impulso social. 

A esses três, Jung acrescenta um quarto instinto, que ele reivindica como prerrogativa unicamente do homem – o instinto de religiosidade. Esse instinto é o contrabalanço dos três 
impulsos biológicos dos instintos primitivos e é, portanto, parte essencial da constituição do homem. Qualquer que seja o sistema psicológico adotado, se não tiver esse ponto essencial, falhará em cobrir plenamente o domínio da personalidade humana. 

Embora, nos primórdios do homem, os três grandes instintos predominassem, mesmo lá o instinto religioso já estava atuando. À  medida que a humanidade evoluía, a mente consciente gradualmente desenvolvia e começava a abrandar a intensidade de alguns impulsos instintivos, direcionando essas energias para novos canais. Mas isso era feito de maneira ignorante e  irregular, de forma que um atrito considerável ocorreu na mente do homem. 

Com o advento do Cristianismo e a violenta reação contra as velhas crenças, essas repressões dos instintos naturais tornaram-se intensificadas e gradualmente passaram a ser aceitas como parte da própria fé cristã, até que, no período vitoriano, alcançaram o ponto culminante. A mente consciente, afirmando-se de acordo com um código de ética, era a mais elevada realização da evolução humana. 

Mas isso resultou no aumento gradual do que é, em parte, a doença do mundo ocidental – a “psiconeurose”. Existem, naturalmente, neuróticos em todas as raças, mas de longe o maior 
número deles se encontra nas civilizações ocidentais. Os poderosos instintos, ao serem obrigados a se voltar para si mesmos, tornaram-se deformados e pervertidos, e a energia que deveriam trazer para as elaborações da mente consciente, caso fossem adequadamente 
dirigidos ou “sublimados”, se perde no atrito interno, dando a sensação de frustração tão comum no Ocidente. 

Essa repressão do poder dinâmico do indivíduo resultou no estabelecimento de forte linha de clivagem entre os níveis subconsciente e consciente da mente. Mas é óbvio que será somente trazendo à mente consciente o poder dinâmico depositado abaixo do limiar que as 
atividades do homem poderão alcançar seu verdadeira nível. É justamente tal libertação do subconsciente que se constitui o objetivo da moderna psicoterapia, e é isso também que se almeja na magia moderna. 


Isso não significa que os instintos primitivos possam ser libertados em sua forma mais grosseira, mas ao contrário, sua energia deveria ser canalizada e redirigida para outros canais. Deveria haver, contudo,  similaridade natural entre a energia que está sendo redirecionada ou “sublimada” e o novo canal de expressão que lhe é oferecido. Um exemplo disso é a recomendação freqüente dada a adolescentes perturbados por seus excessivos impulsos sexuais: “Façam esportes, ginástica, etc., e trabalhem” Algumas vezes o remédio dava certo - com mais freqüência fracassava, aparentemente aumentando o impulso que deveria diminuir. Isso acontecia porque o canal para a primeira tendência biológica havia sido usado para a força pertencente ao segundo impulso. 

O esporte é uma maneira esplêndida de sublimação do instinto de auto-preservação, e as associações grupais que propicia também formam um bom canal para o instinto gregário, mas eles são inadequados para o instinto sexual, que é essencialmente individualista e criativo. Hoje em dia, o conselho geral a esses sofredores é que se engajem em trabalhos criativos e busquem as artes para que possam criar, manufaturar, produzir nem que seja um banco rústico para seu jardim. Tais tarefas oferecem excelente fonte de sublimação. 

Não se pode pensar que a totalidade da energia de tais instintos possa ou deva ser sublimada, mas essas energias básicas deveriam ser aproveitadas para o desenvolvimento contínuo do espírito do homem. É aqui que o quarto instinto apontado por Jung surge, pois é a contraparte que vai atrair o desenvolvimento do homem na direção das grandes altitudes, e podemos, com vantagem, comparar esse quarto impulso com o que os ocultistas 
chamam de eu superconsciente ou eu superior, e o mago chama de anjo guardião. 

A pesquisa psicanalítica moderna aponta na direção da existência, o inconsciente ou subconsciente, de certos níveis ou camadas de desenvolvimento, e a mais profunda dessas camadas liga o indivíduo não apenas à mente de seus vizinhos imediatos, mas, sucessivamente, ao processo mental de toda a humanidade abaixo de certo nível e, abaixo disso, novamente com a consciência do reino animal e vegetal. Isso leva a crer que, assim como nossos corpos têm dentro da sua própria estrutura as marcas de seu desenvolvimento evolutivo oriundo dos reinos mais inferiores da natureza, nossa mente mostra linha similar de evolução. 

Existe o que é denominado “subconsciente pessoal”, que consiste de idéias, emoções e memórias, algumas das quais foram empurradas para baixo do limiar, porque nos recusamos a reconhecer até para nós mesmos que seríamos capazes de tais pensamentos. Esses grupos de pensamentos carregados com energia emocional são conhecidos como “complexos” ou “constelações”, e onde eles tiveram seu reconhecimento recusado tendem a se desgarrar da unidade geral e tornar-se semi-independentes. Diz-se então que se tornaram “dissociados”, e são esses complexos dissociados, juntamente com toda gama de experiências esquecidas, memórias e emoções que se configuram no “subconsciente pessoal”. 

Ao nos aprofundarmos ainda mais, vamos nos deparar com aquelas emoções e pensamentos, aquelas imagens primordiais  que compartilhamos com toda a humanidade, não somente com a humanidade atual, mas também com a humanidade passada. Esse “inconsciente coletivo” é e foi background condicionador da nossa mente subconsciente, e as imagens e memórias sepultadas em suas profundezas exercem influência sobre nossas vidas que, embora desconhecida para nosso eu vígil, é extremamente poderosa. 

Sabe-se que o inconsciente, pessoal ou coletivo, trabalha por meio de figuras ou imagens, pois a palavra é um desenvolvimento comparativamente recente. Assim sendo, diz Jung:
“Quem fala por imagens primordiais, fala com mil línguas: agarra e sobrepuja, e, ao mesmo tempo, eleva o que tira do individual e do transitório pessoal à esfera do eterno, exalta o quinhão pessoal à dimensão do homem e, assim, libera em nós todas aquelas forças úteis que desde sempre vêm capacitando a humanidade a se auto-resgatar de qualquer desastre e a sobreviver à mais longa das noites.” 
A magia, com suas origens no passado imemorial, faz exatamente isso, fala ao subconsciente do homem por meio de linguagens arcaicas de seus símbolos e rituais, e então produz “mudanças na consciência” que o mago tanto busca. Assim foi também com o Senhor Jesus que: “Sem a parábola, não se dirigia a eles”.(Marcos IV, 34). 

Podemos resumir tudo o que foi dito neste capítulo dizendo que a melhor escola de psicologia moderna estabelece a existência de quatro níveis mentais, a saber: 

(A) a mente consciente desperta 
(B) o subconsciente pessoal 
(C) o subconsciente coletivo 
(D) a supraconsciência* 

*Esse termo, na verdade, foi abandonado pela psicologia atual e recuperado por uma escola bem moderna surgida nos EUA com o nome de “mente transpessoal”, que também dá nome a esta linha – a “Psicologia Transpessoal”.(N.doT.) 

Todos esses são aspectos da mente, mas desses, só estamos conscientes de um, a mente em 
seu estado vígil. Embora todo o restante constantemente nos afete, com freqüência descobrimos que as correntes misteriosas e ocultas do eu profundo nos impelem por caminhos que conscientemente não escolhemos. 

Ter capacidade de se tornar consciente do jogo das correntes ocultas e dirigi-las na tarefa de conduzir a vida pelos caminhos da sabedoria e da paz é o desejo ardente de qualquer mago ao olhar para as profundezas de seu ser; e, ao vislumbrar a centelha da luz eterna que é o seu verdadeiro centro, ele exclama em nome e pelo nome da centelha: “Eu a onipotência ao meu comando e a eternidade à minha disposição!” 



Continua... Cap 3 - A Tese Mágica

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A Magia e o Mago – E. W. Butler
Ed Bertrand – 2a Edição
Magia: Ritual, Poder e Propósito

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